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Entre os dedos

Adriana Sacomã, psicanalista de 40 anos, não esperava que a mudança de apartamento fosse mais do que uma reorganização prática de sua vida. Mas, entre caixas de livros cuidadosamente etiquetadas e móveis desmontados, uma caixa menor, enterrada no fundo de um armário, se destacou. Era simples, marcada pela passagem do tempo, com uma camada de poeira que parecia protegê-la como um artefato há muito esquecido. Aquela caixa guardava não apenas objetos, mas um pedaço da vida que Adriana não se lembrava de ter deixado para trás. Ao abrir a tampa, o cheiro de papel envelhecido a envolveu, transportando-a a outros tempos. Lá dentro, encontrou uma coleção de cartas que nunca enviou. As folhas amareladas contavam histórias de amores não correspondidos, amizades interrompidas e confissões que, na época, pareceram urgentes, mas que nunca chegaram ao destino. Algumas estavam dobradas com um cuidado quase cerimonial; outras, amassadas e rasuradas, refletiam a pressa ou o desespero de quem não sabia

Un'Estate di Emozioni

Era l’estate del 1994, un’estate calda e vibrante a Napoli, di quelle che sembrano non finire mai. L’aria profumava di mare e di pizza appena sfornata, mentre le voci della gente riecheggiavano nei vicoli stretti della città. Naira, una bambina di dieci anni, nata in Brasile, si sentiva come se stesse vivendo un sogno ad occhi aperti. Ogni giorno sembrava un’avventura, con l’energia della Coppa del Mondo che riempiva l’atmosfera come una festa senza fine. La sua famiglia si era trasferita a Napoli quando lei aveva sei anni. All’inizio, tutto le sembrava così diverso: la lingua, le strade, i suoni, i colori. Ma Napoli, con la sua accoglienza calorosa e il suo caos affascinante, era diventata presto una seconda casa. Nonostante questo, il Brasile le restava nel cuore, come un ricordo dolce che non voleva lasciare andare. Le parlavano di casa sua, delle spiagge infinite, del Carnevale e del calcio – sempre il calcio – che era quasi una religione nel suo paese natale. Adesso, mentre la Cop

Um Conto, um ponto e Reticências

 Lina, aos míseros 27 anos, vivia uma existência marcada por uma sensação de incompletude, algo que a corroía de dentro para fora. O número de suas primaveras, embora para muitos ainda fosse sinônimo de juventude, trazia consigo o peso de expectativas não realizadas. Para ela, era como se estivesse presa em uma pausa interminável entre o que deveria ser e o que de fato era. Como uma folha em branco, que carrega dentro de si todos os desenhos do mundo, Lina sabia que a liberdade de tantas possibilidades não era leve. Pelo contrário, era um fardo. A vastidão do desconhecido a deixava paralisada, e cada escolha que deixava de fazer parecia um risco de perder algo essencial, uma oportunidade de se transformar naquilo que ainda não compreendia. Nunca, em toda sua trajetória, algo lhe causou tanta angústia quanto encarar o vazio de uma página em branco. Crescera ouvindo sobre o potencial, sobre o que poderia vir a ser, mas quanto mais o tempo passava, mais sentia que a promessa de infinitas

Blurry Heavy Cliché

  A sharp, unbearable, agonising tinnitus inside my brain. Pulsing, burning, and I can not see clearly for it burns my eyes and blur my sight.   Everyone around me is feasting in slow motion.  Am I dying? Am I dead? I feel like hanging over, overtime, time traveler, transported to this open space, so cold. Sharp wind, cuts the flesh upon my cheeks.  What is that smell? Sulfur, released by phytoplankton and seaweed. Salt, of course there’s salt, corroding and dehydrating, mucus, skin, soul... It ain’t dawn, yet the sun’s still shy over the horizon. Some weak ray’s of golden light penetrate the heavy sky. Dark clouds upon our heads, thunder. It’s hard to tell whether it’s thin rain or stormy tide.  I try to balance myself on the breakwater rocks, dizzy by my racing heartbeat and pushed by the wind blows.  I take a look around, feels like time’s stopped, some levitate with fireworks in hand, others hug each other laughing, holding, almost empty, vodka bottles... and you, there’s you, on t

Que dia é hoje?

 Escuto a voz da minha mãe ecoando da cozinha, cortando o ar com sua impaciência habitual. Ela sempre grita, como se sua voz pudesse controlar o caos que impera nesta casa. Meus irmãos, sempre agitados, tramam suas trapaças às costas dela, fingindo não serem notados. Mas minha mãe, exausta, prefere não ver. O cansaço a venceu há muito tempo, e às vezes me pego sentindo pena dela. Coitada. Carrega a faina de sustentar uma família enquanto assiste seus sonhos se dissolverem, repetindo o destino de tantas outras mulheres da nossa linhagem. Eu não. Não aceito esse fardo que elas carregam, esse destino herdado de servir e calar. Não quero, não vou me dobrar às mesmas correntes invisíveis que aprisionaram minha mãe e as outras antes dela. Nem mesmo por você. E menos ainda por teu irmão, que carrega a arrogância de quem acha que o mundo lhe deve algo. Eu me pergunto, e cada vez com mais frequência: por que nossas mães, visivelmente infelizes, parecem desejar para nós o mesmo infortúnio? Talve