O Método do Caos
O nome é Marisa Condar, e às vezes parecia que o destino tinha um humor peculiar em rearranjar os sonhos dela da mesma forma que as letras do seu nome. Ela tinha quarenta anos, uma esposa doce e cheia de energia chamada Ana — oito anos mais jovem e com o entusiasmo de quem ainda acreditava no mundo. Juntas, compartilhavam um apartamento pequeno, mas acolhedor, com uma filha de quatro patas chamada Circe, uma buldogue francesa com olhos que pareciam entender mais do que deveriam.
Marisa carregava um cansaço que não vinha apenas do corpo, mas da alma. Ela tinha vivido a vida como uma médica dedicada e uma educadora apaixonada, mas ultimamente isso parecia contar pouco. Seu mais recente revés foi um golpe que a deixou sem ar: a eliminação de um processo seletivo, mesmo após ter tirado a segunda maior nota na prova. A razão? Alegações vagas e, no fundo, o que ela sabia ser a velha combinação de um sistema corrupto e moralista que premiava qualquer outra coisa digna de nota.
Ela se sentia encurralada em uma distopia que ninguém parecia enxergar. Os noticiários, os rostos apáticos nas ruas, o barulho incessante das redes sociais — tudo reforçava a sensação de que o mundo havia perdido sua lógica. “Às vezes, há método na loucura,” pensava ela, enquanto olhava para a tela de seu computador. “Mas agora não é uma dessas vezes.”
Naquela manhã, após receber o e-mail de rejeição, Marisa se trancou no quarto com Circe. A cachorra subiu na cama, encostando o focinho gelado em sua perna, como se dissesse: Estou aqui. Lágrimas escorreram silenciosas enquanto ela pensava em como sempre parecia que seus sonhos chegavam perto o suficiente para serem tocados, mas nunca para serem abraçados.
Ana tentou entrar no quarto algumas vezes, mas Marisa pediu espaço. No silêncio, ponderou sobre o que realmente queria. Ir morar no meio do nada? Deixar tudo para trás? Ou talvez simplesmente desaparecer? Essas ideias, que vinham com mais frequência do que ela admitiria em voz alta, eram como um peso constante, esmagando sua visão de futuro.
Mas então, Circe a fez rir. Do nada, a cachorra tentou subir em um cesto de roupas, caiu desajeitadamente e soltou um latido indignado. Marisa soltou um riso fraco, quase um reflexo. Ana, do outro lado da porta, escutou e entrou sem pedir permissão.
“Você está aqui. E isso é o que importa”, disse Ana, sentando-se ao lado dela.
“Mas para quê? Nada do que eu faço vale a pena. Esse mundo… é insuportável.”
Ana segurou sua mão. “Talvez o mundo seja insuportável, mas nós não precisamos carregar ele todo. Só o nosso pedacinho. Talvez o nosso pedacinho seja você, eu e Circe. E isso já é algo.”
Marisa não respondeu. Mas, naquela noite, ela abriu o laptop e começou a digitar algo que não era um recurso ou um currículo. Era um texto sobre como o sistema nos cansa, sobre como sonhos parecem escapar, mas também sobre pequenos milagres: um cachorro desajeitado, uma esposa que insiste em ficar…
A frase ainda estava em sua mente: “Às vezes, há método na loucura. Mas agora não é uma dessas vezes.” Talvez, pensou Marisa, ela mesma pudesse encontrar um método para lidar com o caos. E, se não encontrasse, ao menos poderia rir de Circe tentando escalar novamente o cesto de roupas. Afinal, o absurdo também tinha sua lógica.
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