As ideias me fogem à palavra

Ainda ontem, ou qualquer dia desses que se precedeu, estive a recordar um tempo em que viajava. Para se deslocar a um outro continente, é necessário tomar um avião. Como me estressa a ideia de viajar de avião. Toda vez que entrava em um me ocorria ser ali, naquele lugar, o lugar de meu sepultamento iminente.

Pudesse, iria de carro de São Paulo à Barcelona. Até mesmo de cavalo. Mas avião é mais viável quando não se pode esperar. Conheço quem possa. Esperar. Essa gente, por vezes vai de barco. Luxuosos navios cujo entretenimento nunca acaba. 

Mas eu não sou dos que podem esperar. Ultimamente, nem dos que podem viajar. 

Fato está, de que quando piso em uma aeronave, sinto cheiro do último suspiro. E era justamente sobre isso que estava a pensar qualquer dia desses.

Como conciliar dois sentimentos mutuamente? O deleite de viajar, de conhecer novos lugares, novos caminhos, novas formas de ser e estar no mundo e o medo irreparável de que a morte no trajeto me impediria de tal transgressão. 

Não sei explicar como. Mas consigo. Talvez as possibilidades não exploradas gritem colocando o medo em seu lugar de pequeneza. 

Mas não era sobre isso que recordava-me das viagens que fiz. E sim sobre o que os vivos contam sobre morrer de avião. Nunca conheci ninguém que tenha morrido de avião, que pudesse diminuir minha angústia de entrar em um. Uma palavra de conforto: não se sente nada, tudo ocorre em um instante. 

Os vivos nos contam isso. Esses que não morreram de avião, revelam que é a melhor forma de morrer. Pois nem se percebe, quando percebe já se está morto. Ora, mas o que sabem os vivos sobre morrer? 

Em pesquisa sádica, recordo-me de na espera da sala de embarque, ter calculado em média quanto tempo demoraria a queda. A melhor resposta que encontrei foi que em quatro minutos tudo se acabaria.

Fui tomada de imediata agonia. 

Quatro minutos inteiros caindo para morrer? Não me parece pouco tempo. Digo, não há muito o que fazer em quatro minutos. Tem gente que toma banho em cinco, ou dizem. Cinco minutos de um banho quente em uma noite fria de inverno me parece pouco. Cinco minutos de um banho frio em uma noite fria de inverno devem ser uma eternidade. 

Uma queda livre por quatro minutos inteiros, sem paraquedas, me parece ser um banho frio no inverno. Talvez meu coração colapse antes disso, ou meu cérebro exploda com a desaceleração… seria então apenas minutos de um corpo inerte, já morto, lançado para a morte em definição. 

Mas quão fascinante é não é mesmo? A elasticidade do tempo!? Acelerar e desacelerar. Para os amantes da ficção seria como viver no Matrix. Não no conceito do matrix, mas na possível desaceleração frente ao projétil lançado. É bonito de ver. 

Imperfeito em sua perfeição. O tempo. O desejo de possuir o tempo, enquanto ele te escorre por entre os dedos, como os relógios de Salvador Dalí em A Persistência da Memória. 

Memória essa que me ocorreu ainda ontem, ou qualquer dia desses que se precedeu, sobre um tempo em que viajava.


Cardoso, M.

(Texto sem revisão)

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