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Migalhas

 “É triste perceber, como tudo que fica à margem está a mercê das sobras. Das sombras” disse Camille para si mesma, enquanto alimentava com migalhas de pão amanhecido, uma dupla de cães aparvalhados, que lhe fitavam com olhos de dor, de súplica. Tão logo perceberam que não havia mais migalhas tornaram a correr e pular pela praça, provocando um ao outro.  Ela observou a dupla brincar, com um pensamento longe. Tinha de terminar sua dissertação de mestrado e a deadline estava terrivelmente próxima. Mas, Camille estava exausta.  Decidiu dedicar-se à leitura em um banco na praça, ao lado de seu apartamento. Nem isso conseguiu fazer com êxito. Passou mais tempo a fitar os cães do que em se dedicar a leitura.  Algo neles lhe trazia a tona pensamentos aprisionados pelo escapismo nosso de cada dia. Essa vadiagem, essa leveza, a malandragem com a qual conquistaram pedaços de pão. Migalhas, é bem verdade, mas até desse instinto universal por sobrevivência através da alimentação...

As ideias me fogem à palavra

Ainda ontem, ou talvez em algum desses dias que se mesclam na memória, me peguei recordando um tempo em que viajava, em que o mundo parecia mais vasto e as distâncias, quase infinitas. Lembro-me das vezes em que, por necessidade ou desejo, me deslocava de um continente a outro, atravessando oceanos e fusos horários. Para isso, claro, era preciso enfrentar o ritual inevitável de tomar um avião. Ah, como esse pensamento sempre me angustiou. Não eram as longas horas de espera nos aeroportos, nem a impessoalidade das filas de segurança que mais me incomodavam, mas sim a ideia de estar a milhares de metros de altura, preso em um tubo metálico flutuante, desafiando as leis da natureza. Toda vez que me aproximava da porta do avião, sentia uma leve pressão no peito, uma espécie de desconforto que começava suave e, à medida que os passos me levavam para mais perto da cabine, se intensificava. As luzes brilhantes do aeroporto, os anúncios de voos se confundindo no alto-falante, tudo se tornava u...

Tempo Oportuno

 “Certamente o sono mais doce é aquele mais profundo, quando estamos como mortos e não sonhamos nada, ao passo que é muito incômodo o sono leve, inquieto, interrompido por cochilos, atravessado por pesadelos e visões, como sói acontecer com os doentes”.  O projeto deste blog não tem data!  De início, meio, ou fim.  É uma tentativa de busca e conhecimento dentro de um tempo de Kairós, sem devorar nossos filhos pela mecânica da produtividade. Não pretendo produzir textos.  Mas pode ser que produza.  Quem sabe, em um tempo oportuno! Cardoso, M.