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Mostrando postagens de outubro, 2024

Ataraxia

 Tic-tac Tum-ta O tempo passa rápido. Indolor, incolor, inodoro. O coração bate, querendo parar.  Não há uma única lâmina afiada, de corte, de língua ou de escrita; capaz de fazer sentir.  Os epicuristas escolhem não sentir. O neoliberalismo nos obriga, pelo bem ou pelo mal.  Tudo é demanda. Tudo demanda. Tempo. Vitalidade. Tic-tac. Tum-ta. Dói onde? Não dói. Mas antes doía, dentro.  Tem cura?  Acho que não. Tem meios. Meios de que?  Não sei ao certo. Mas até pra findar há de ter vontade. É para ter vontade, tem que sentir uma pulsão. De vida. De morte. Tic-tac. Tum-ta. O tempo me engole, sem nem me mastigar. O coração sangra, cansando e quer parar. Doutor me vê um antídoto para essa anestesia que estava no ar? Tal antídoto? Creio que não há. Então hei de ficar assim?  Tic-tac. Tum-ta. Claro que não, você pode se drogar! Mas eu não gosto de viver na ilegalidade! Ilegalidade aqui não há. Toma aqui sua receita, leve a farmácia, talvez funcione. Talv...

Entre os dedos

Adriana Sacomã, psicanalista de 40 anos, não esperava que a mudança de apartamento fosse mais do que uma reorganização prática de sua vida. Mas, entre caixas de livros cuidadosamente etiquetadas e móveis desmontados, uma caixa menor, enterrada no fundo de um armário, se destacou. Era simples, marcada pela passagem do tempo, com uma camada de poeira que parecia protegê-la como um artefato há muito esquecido. Aquela caixa guardava não apenas objetos, mas um pedaço da vida que Adriana não se lembrava de ter deixado para trás. Ao abrir a tampa, o cheiro de papel envelhecido a envolveu, transportando-a a outros tempos. Lá dentro, encontrou uma coleção de cartas que nunca enviou. As folhas amareladas contavam histórias de amores não correspondidos, amizades interrompidas e confissões que, na época, pareceram urgentes, mas que nunca chegaram ao destino. Algumas estavam dobradas com um cuidado quase cerimonial; outras, amassadas e rasuradas, refletiam a pressa ou o desespero de quem não sabia ...